Os riscos do retrocesso e a urgência de reafirmar a equidade nas organizações e na sociedade

Por Ana Diniz*


Nos últimos anos, temos assistido a um retrocesso significativo nas discussões sobre diversidade e inclusão no trabalho, de maneira geral, e na promoção da equidade de gênero nas organizações, em particular. Após avanços impulsionados por movimentos globais como #MeToo e Black Lives Matter, políticas de diversidade, equidade e inclusão (DE&I) vêm sendo desmontadas tanto no setor público quanto no privado.

Esses retrocessos ganharam ainda mais destaque no segundo mandato do presidente Donald Trump. Logo no início de sua gestão, Trump emitiu ordens executivas visando desmantelar programas federais de DE&I e conter a chamada agenda “woke” nos Estados Unidos. Em resposta, empresas como Amazon, Meta, Disney e Accenture reduziram ou descontinuaram seus esforços de diversidade, refletindo uma mudança de prioridades corporativas diante do novo cenário político e de pressões externas.

Essas reversões, no entanto, não se restringem aos Estados Unidos. Relatório da ONU Mulheres revelou que, em 2024, um em cada quatro países registrou retrocessos em leis ou políticas de igualdade de gênero, impulsionados por crises institucionais, mudanças climáticas, conflitos e crises humanitárias. Como conclui António Guterres: “Globalmente, os direitos humanos das mulheres estão sendo atacados. Em vez de uma normalização da igualdade de direitos, estamos vendo a normalização da misoginia”.

Diante desse cenário, reafirmar a equidade de gênero torna-se urgente. Há quase três décadas, 189 países assumiram esse compromisso na Conferência Mundial sobre a Mulher de Pequim. No entanto, avanços concretos exigem dissipar equívocos sobre o conceito de gênero e superar resistências. Como argumenta Judith Butler em seu livro Quem tem medo do gênero?, o termo “gênero” se tornou alvo de disputas políticas contemporâneas, mas este não deve ser visto como ameaça ou restrito ao debate sobre identidades. Gênero é, acima de tudo, uma categoria analítica para compreender como desigualdades são produzidas e transformadas.

Insistir no gênero significa, primeiramente, reconhecer que desigualdades persistem na sociedade — e no trabalho não é diferente. Segundo o IBGE, as mulheres ainda são maioria fora do mercado de trabalho no Brasil e, quando inseridas, predominam na informalidade, especialmente mulheres negras. Em 2023, a taxa de participação feminina na força de trabalho foi de 53,3%, contra 73,2% dos homens. A informalidade atingiu 45,4% das mulheres pretas ou pardas, enquanto entre os homens brancos esse percentual foi de 30,7%.

Mesmo no mercado formal, as mulheres seguem sub-representadas em cargos estratégicos e sobre-representadas em áreas historicamente associadas ao “feminino”, menos valorizadas. Apesar de maior escolarização, elas ainda recebem, em média, 21% menos que os homens. Além disso, são as principais vítimas de assédio moral e sexual no trabalho. O “teto de vidro” limita seu acesso a cargos de poder, e apenas 18% das lideranças no topo das organizações privadas e públicas são ocupadas por mulheres.

As desigualdades de gênero também impactam negativamente os homens. No ambiente de trabalho, estereótipos impõem expectativas que restringem suas escolhas profissionais. Essas pressões repercutem na vida organizacional e na esfera doméstica, sobrecarregando as mulheres com atividades de cuidado e trabalho doméstico, enquanto afastam os homens dessas responsabilidades. Esse desequilíbrio dificulta a ampliação de licenças parentais e a flexibilização do trabalho para todos, além de afetar a saúde mental masculina.

A promoção da equidade, além de ser um imperativo ético e social, traz benefícios mensuráveis às organizações. Estudos demonstram que a diversidade de gênero melhora o desempenho corporativo. Uma meta-análise publicada no Academy of Management Journal revelou que a presença feminina em conselhos de administração está positivamente associada a melhores retornos contábeis, especialmente em países com maior proteção aos acionistas. Os impactos são ainda mais evidentes em sociedades com maior paridade de gênero, onde a participação feminina fortalece o monitoramento e o engajamento estratégico.

Outro estudo, publicado no International Journal of Human Resource Management, indica que a diversidade de gênero nos níveis médio e operacional impacta positivamente a competitividade e o desempenho econômico das empresas. Organizações com 40% a 60% de mulheres na força de trabalho demonstram vantagens estratégicas sustentáveis, evidenciando que um time diverso é o fator que mais contribui para as empresas.

Portanto, insistir no gênero significa reconhecer como as desigualdades moldam as dinâmicas sociais e organizacionais. A partir desse entendimento, é possível desenvolver políticas públicas e corporativas que promovam a equidade e impulsionem os resultados empresariais. Esse é um caminho essencial para construir uma sociedade mais justa, inovadora e economicamente sustentável para todos.

* Ana Diniz é coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Insper* Ana Diniz é coordenadora do curso de Administração e do Núcleo de Estudos de Gênero do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) do Insper

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