Conheça Alzira Soriano, a potiguar que foi parar no The New York Times em 1928
Alzira Soriano foi a primeira Prefeita do Brasil e da América Latina
Em 1928, numa pequena cidade do interior do Rio Grande do Norte, um fato histórico ultrapassou as fronteiras do Brasil. Lajes, um município do interior, viu emergir de suas raízes sertanejas uma mulher que desafiou as estruturas patriarcais da política nacional: Alzira Soriano.
Numa época em que mulheres sequer tinham direito ao voto, Alzira não apenas votou – ela foi eleita prefeita, tornando-se a primeira mulher a comandar um município no Brasil. A notícia percorreu o mundo, ganhando destaque até no jornal The New York Times. Era um feito inédito em um país onde o sufrágio feminino só seria permitido quatro anos depois, em 1932, com a promulgação do Código Eleitoral por Getúlio Vargas.
A eleição de Alzira só foi possível graças à Lei Estadual 660, assinada em 1927 pelo governador potiguar José Augusto Bezerra de Medeiros, que interpretou a Constituição de 1891 de maneira visionária: “A Constituição fala apenas em cidadãos, não distinguindo se é homem ou mulher”, declarou. E assim, o Rio Grande do Norte antecipou o direito ao voto para as mulheres, sendo pioneiro no país.
Filha de gente influente em Jardim dos Angicos, Alzira Soriano cresceu em um ambiente político e de liderança. Viúva aos 22 anos, após perder o marido para a gripe espanhola, voltou para a casa dos pais, onde administrou a fazenda da família e fortaleceu seu interesse pela política. Em 1928, com o apoio do governador Juvenal Lamartine e da feminista Bertha Lutz, lançou-se candidata pelo Partido Republicano, vencendo as eleições com 60% dos votos.
A posse de Alzira em 1º de janeiro de 1929 é uma imagem emblemática: a prefeita, cercada por um secretariado exclusivamente masculino, simbolizava um marco na emancipação feminina em tempos de intensa misoginia. “As conquistas atuais, a evolução que ora se opera, abrem uma clareira no convencionalismo, fazendo ressurgir a nova faceta dos sagrados direitos da mulher”, declarou em seu discurso de posse.

Posse de Alzira Soriano na prefeitura de Lajes, junto com seu secretariado
Durante seu governo, Alzira investiu em educação e infraestrutura, construindo escolas e estradas que conectavam os distritos à sede do município. No entanto, seu mandato foi encurtado após a Revolução de 1930, quando decidiu renunciar em desacordo com o governo de Getúlio Vargas. Anos depois, retornaria à política, elegendo-se vereadora por três mandatos em Lajes.
Alzira enfrentou os desafios de uma sociedade patriarcal que a atacava com ofensas pessoais e preconceitos. Segundo registros, adversários diziam que “mulheres públicas eram prostitutas”, numa tentativa de minar sua trajetória. Mas Alzira Soriano resistiu. “Vovó Alzira teve que se impor numa sociedade totalmente masculina. O peso político da família ajudou, mas sem sua personalidade forte, isso não teria acontecido”, relembra o bisneto Rudolfo Lago.
Mais de 90 anos depois, sua história permanece viva e necessária. Segundo o TSE, em 2020, apenas 12,2% dos municípios brasileiros elegeram mulheres para prefeituras, um avanço tímido em relação ao pleito anterior. Para a jornalista e doutora em Ciência Política Deysi Cioccari, “exemplos como o de Alzira Soriano são fundamentais e me causa espanto as pessoas não saberem quem ela foi. A produção do sexismo no poder é histórica”.
A trajetória de Alzira Soriano transcende seu tempo e permanece um símbolo de resistência feminina. Em um país onde as mulheres são 52,5% do eleitorado, mas ocupam apenas 12,2% das prefeituras, a primeira prefeita do Brasil segue como um convite à reflexão e à luta por igualdade nos espaços de poder. É preciso mais Alziras. É preciso mais resistência.
Fonte: bbc.com